#1 - Quais histórias você contaria se tivesse coragem de se expressar?
Às vezes é preciso desapontar os outros, modificar as estruturas e romper com as regras para não desapontarmos, modificarmos e rompermos com nós mesmos.
Quando era criança, escutava da minha família que eu era bocuda. Na adolescência, meus amigos diziam que era muito segura de mim. Depois de adulta, um namorado me chamou de autossuficiente e no trabalho me viam como firme e doce. São pontos de vista… e sim, se você me perguntar, direi que me vejo um pouco em todos esses.
A questão sobre os elogios (ou comentários em geral) é que eles dizem muito mais sobre quem os tece do que sobre quem recebe.
Se você faz ou já fez terapia, deve já ter ouvido que se algo que escutamos não ressoa, é porque não é nosso. É mais ou menos por aí. Existe um componente essencial para qualquer fala ou situação que pode mudar tudo: o contexto.
Comecemos pelo fato que permeia todos os adjetivos: sou mulher vivendo numa sociedade patriarcal. Depois passemos à minha infância: sempre fui mais anciã do que minha cronologia marcava; costumava me expressar genuínamente, ainda que fosse com silêncio e olhares profundos; sou uma canceriana com muita água no mapa, o sentir é como eu me expresso (e sentir não era o forte lá em casa). Então sim, consigo entender meus pais, porque talvez soasse bocudo uma pequenina dessa. Já na adolescência, meus amigos gostavam muito de festa e eu não, eu gostava de ler. Trocava muitas festinhas de madrugada por uma bela noite de sono e leitura. Dizia não com facilidade, ainda que tivesse medo de ficar sem amigos (o que nunca aconteceu, obrigada galera). Só participava do que realmente me fazia bem. Então sim, consigo entender meus amigos, porque talvez parecesse bastante segura. Quando adulta, sendo alguém que se relaciona com homens, ser capaz de fazer as coisas sem depender deles pode soar bastante autossuficiente (quando não uma afronta) e conseguir se posicionar no trabalho sem desrespeitar alguém é bastante firme e doce.
Então tá aí o contexto. O plot twist é que eu só fui capaz de fazer essa leitura depois dos 27 anos… ou seja, durante todo esse tempo acreditei em muita coisa que não era minha de verdade. Pensa no peso dessa mochila… uf.
Agora vem cá que eu vou te contar o que eu vejo hoje:
Nasci em São Paulo, a metrópole mais louca da América do Sul. Cresci no interior do Mato Grosso do Sul, onde tudo é mato e gado. Escrevi meu primeiro livrinho aos 6 anos. Fiz um intercâmbio aos 16 anos e outro aos 22, na faculdade. Mochilei sozinha a primeira vez também aos 22, pela Europa. Achava que queria ser advogada ou atriz. Comecei Relações Internacionais e no fim me formei em arquitetura. Trabalhei em escritório pequeno, na prefeitura, em incorporadora e em multinacional. Pedi demissão e mochilei sozinha mais 1 ano, agora na América Latina. Aprendi a tocar meu primeiro instrumento musical aos 28. Nunca deixei de escrever ou de mudar. Criei meus vínculos mais bonitos todas as vezes que agi pela minha intuição. Sinto profundamente, nunca desisti de amar e ainda assim também sou bastante racional. Sou meio bruxona, meio desconfiada, meio planejada e meio preguicinha. Também sou muito direta, mas acolhedora, sou corajosa e também medrosa e sou forte mas choro bastante. E sabe o que eu vejo nisso tudo? Uma incoerência consistente.
A única certeza da vida é que ela muda. Ser incoerente é inato do ser humano. Até porque, ser coerente demais é negar nossa natureza mutável.
Nossa liberdade mora na nossa incoerência.
Saber mudar de ideia, de opinião, poder recalcular a rota, querer mudar, questionar… isso é ser livre. Você pode ser muitas versões em um só corpo. (E isso não é papo de autoajuda, isso é só o que de fato somos.)
Eu decepciono pessoas diariamente.
Depois que decidi viver nômade, sempre me perguntam meu país favorito. Bolivia, eu respondo rapidamente. A expressão no rosto da maioria das pessoas é de confusão e surpresa. Jura?, perguntam. E o que tem na Bolivia? E sabe, cá entre nós, não é sobre o que tem na Bolivia, é sobre o que ela é: autêntica.
As pessoas podem ser tiradas da sua zona de conforto até com simples respostas. Porque grande parte da população quer segurança e estabilidade, mas amarram essa ideia nos postes errados. No emprego, na atitude do outro, no relacionamento, e até em ideias pré determinadas do que é legal ou não. Então quando eu dou uma resposta que eles não esperam, eles se decepcionam (ainda que se surpreendam).
Ao longo do tempo percebi que expressar minha verdadeira opinião não era sinônimo de ser bocuda ou de ser do contra, e sim de simplesmente gostar de um país pouco reconhecido, de não ser fã de balada e de não querer viver uma vida rotineira comum. Mas pra viver tudo isso, precisei decepcionar a alguns de muitas formas. Afinal, a única pessoa que caminha com a gente a vida toda, é a gente mesmo e é a essa relação que devemos nos dedicar diariamente.
A parte boa é que nesse caminho você encontra muita gente que te entende ou que precisa desse respiro também. Então ontem quando jantava com uma amiga e ela me perguntou como foi a tomada de decisão, passou todo esse filme na minha cabeça.
Porque para sermos o que somos há essência, contexto, incoerência e decisões.
Com amor,
Lex.
Amei o texto!! Me identifiquei bastante, mas ainda estou no processo de entender tudo isso, foi muito bom ver seu ponto de vista