Desde que voltei do Senegal fico profundamente desapontada com as máquinas de lavar roupa. Batem, giram, deixam de molho e até cheirosas, mas não esfregam. É tirar a roupa de dentro e sentir a frustração de não a ver tão limpa quanto ficava ao ser lavada numa bacia com uma barra de sabão de coco pressionada contra uma tábua de madeira ripada pelo esforço das minhas próprias mãos.
Minha vó costumava dizer que pra deixar a roupa branquinha era só “quarar” (estender ao sol, era o que isso significava) e ah, quanto sol havia no Senegal! Um pra cada um e razão pela qual o banquinho de madeira frente à bacia de lavagem ficava sempre abaixo da sombra de uma mangueira (que por sinal, toda casa tinha uma e até mais de uma no quintal). Também sol suficiente para secar (e branquear) as roupas em no máximo 30 minutos de varal. Que por sua vez nada mais era do que uma corda fixada entre as paredes de taipa das casas e os troncos da mangueira, atravessando todo o pátio interno onde também comíamos, socializávamos e banhávamos com o apoio das sombras das árvores e de um poço para buscar água.
Domingo de manhã era o dia escolhido para esse ritual. Simples e completamente terapêutico. Essa semana fez 1 ano que coloquei meus pés naquela realidade numa pequena vila do interior do sul senegalês na região de Casamance. Vivi 3 meses ali entre mangueiras, dialetos tribais, danças espirituais e lençóis lavados à mão. Tão cheia de vida, de rituais, de mangues e de presença.
Talvez por isso mesmo me lembre do exato dia, ao voltar para terras europeias, em que minha amiga e querida anfitriã me disse sorrindo e empolgada “aqui tem máquina de lavar!” e eu, já com uma constante cicatriz nos dedos de quem cresceu num mundo de máquinas mas passou os últimos meses esfregando tecidos, me empolguei com a ideia de algo que não precisava do meu esforço constante durante 1hora e ainda assim me entregaria roupas limpas. O que eu não havia previsto foi a sensação de decepção que me invadiu ao tirar a primeira camiseta da máquina. “Qué pasó"?” perguntou-me Anna em seu espanhol de catalã ao ver meu rosto. “Manchou algo?”
“Não, mas acabei de me dar conta de que a máquina não lava tão bem quanto eu” respondi rindo num tom surpreso e um tanto triste.
E talvez por isso, 367 dias depois, ao tirar outra leva de roupas da máquina de lavar da casa de outra amiga, continuo me conectando com a sensação de decepção para com esse tipo de lavagem. Os apartamentos atuais, pequenos, sem tanque, sem áreas molhadas, sem lugares ao sol, não me ajudam a lavar numa bacia e quarar minhas roupas como minha avó sempre fez e me ensinou. A cidade não quer que eu tenha esse tempo, o supermercado não entenderia a minha busca por uma tábua de madeira ripada e minha avó, como me disse por telefone num desses domingos em que eu lá do Senegal liguei para papear, não acreditaria “que eu aos 28 anos estaria fazendo o que ela fazia como criança na roça”.
Mas sabe, talvez eu ligue para minha avó hoje e lhe diga que às vezes avançar significa voltar alguns passos. E que ainda bem, eu tive os conselhos dela de quem sabia o valor do tempo, do sol e do esforço humano para que hoje eu saiba que lavar roupas à mão pode ser exatamente o que a gente precisa para voltar a se conectar com a vida.
Lex
Voltei pra ler esse porque tô com saudade dos seus textos. Espero que você volte logo 💛