Deixar a vontade entrar
às vezes o que falta pra você começar algo não é impulso, é desarme.
Tenho sentido vontade de cantar (e não, eu não sei cantar). Tenho sentido vontade de tocar meu ukulele (mas ele não veio comigo). Tenho sentido vontade de amar um objeto direto (mas admito que as vezes parece que desaprendi essa ação). Será?
Tenho aprendido muito sobre novas fases da vida. Sobre processos de transição que nunca vivi antes. Sobre ser alguém que nunca fui antes (e me sentir confortável por isso). E aos 29 anos talvez você pense que eu já tenha vivido muitos desses pra estar aprendendo só agora. Mas é que eu nunca tive 29 anos, vivendo no Marrocos, com amigos internacionais e nacionais, falando 4 idiomas diferentes, numa rotina de coworking em que a maioria das pessoas tem trabalhos remotos e descobrindo que as vezes eu não tenho vontade suficiente pra dar um passo, seja ele qual for.
E tudo bem. Tá com pressa de que?
Em momentos de integrar muita coisa, absorver o que foi vivido ou se preparar pra outra fase, não consigo expor muito. Só quero ficar mais presente no dia a dia e não na internet. Acordar sem pressa, conversar à beça. Ver o mundo girar e a galera surfar. Ter tempo pra desarmar antes de tudo e então sim, abrir o espaço no peito para algo entrar.
É poético mas não é tarefa fácil. E claro, esses momentos não avisam com antecedência… na verdade, minha experiência é de que só reparo que já os estou vivendo depois de resistir um bom tempo ao fluxo, achando que deveria estar em outro momento ou em outro lugar.
E então, esses dias, numa dessas conversas desenfreadas que ninguém lembra onde começou nem pra onde está indo, o click: talvez não insistir ou tentar resolver seja exatamente a melhor forma de solucionar. Deixar a vontade entrar e te consumir.
Quase como uma criança aprendendo a amarrar o sapato. Você ensina uma vez e também duas, mas na terceira deixa ela mostrar o que aprendeu. Se levar 10 minutos, sem problemas, o importante é ela ver que consegue, isso cria senso de independência e coragem pros desafios. E você vai ver que, no máximo, ela vai inventar uma solução criativa pra caso não consiga executar exatamente da maneira que absorveu.
Olhar pras fotos que eu tirei durante esses momentos de registros singelos, pela memória e não pela postagem, tem me relembrado do tanto que vivo.
Tenho aprendido (ou relembrado) que amar bonito é respeitar espaço mas fazer questão da presença. É ganhar um copo de chá sem ter pedido, logo no início da sessão de terapia. É admirar as características que fazem o outro um ser único, ainda que sejam pontos que você tenha dificuldade em lidar. Logo eu que sempre falo sobre amor, tenho relembrado que amar não é sobre precisar estar junto mas sobre aproveitar os encontros, sobre cuidar, sobre não julgamento, admiração e sobre respeito.
Desde que comecei a viver na estrada aprendo muito sobre presença, mas é a primeira vez que ela me chama pra conversar sem fazer perguntas ou cobranças. É a primeira vez que dou espaço pra vontade ir crescendo sem entender pra onde ela quer ir. Talvez a gente tenha superestimado o impulso de nos mover. Talvez eles sejam tão simples quanto ter vontade de fazer. E talvez a gente tenha subestimado os momentos de transição, porque na maioria das vezes eles não são um texto bonito e uma foto bucólica na praia, e sim uma zona cinzenta de incerteza sobre o interno e não sobre o externo. De como agir e não do que sucederá.
Uma vez Exú me abençoou: dê vontade pra essa moça, pai.
e hoje eu estico esse desejo a vocês: que a vontade de fazer seja maior do que as questões que surgirão pelo caminho. Porque a vontade move montanhas e bancar desejos é o ápice da nossa maturidade emocional.
Grande beijo,
Lex