27 - Depois do Nobre Silêncio
um retiro de vipassana e o lembrete de que silenciar sempre trouxe muito mais respostas do que qualquer longa conversa
Faz uma semana que saí de um retiro de silêncio que durou 10 dias. Venho tentando colocar em palavras o que pensei e o que deixei de pensar durante essa experiência de imersão em mim mesma mas até hoje nada consegui materializar. As vezes acho que a Lex do passado sabia que isso poderia acontecer porque ela me deixou um email escrito com algumas suposições e perguntas que hoje felizmente agradeço e utilizo como base para compartilhar com vocês um pouco da vivência.
[esse é o email ↓]
First things first… vamos esclarecer que não foram apenas 8h de meditação diárias, senão quase 11h. Vipassana é uma antiga técnica de meditação da Índia e a palavra significa ver as coisas como realmente são. Tem por base os ensinamentos e a experiência de iluminação de Siddharta Gautama (Buda) e busca purificar a mente.
Os retiros vipassana existem por todo o mundo e seguem exatamente a mesma estrutura. Acorda-se as 4h da manhã, faz-se 4 meditações em grupo por dia e outras 4 independentes, sendo a primeira as 4:30h da manhã e a última as 20:30h da noite. Pede-se silêncio absoluto durante os 10 dias em que se passa no espaço, além de nenhum acesso a nenhum tipo de ferramenta de distração como celulares, livros, cadernos, arte, música, exercícios físicos intensos, etc. Não se janta e mantem-se uma alimentação vegetariana e vegana durante as demais refeições.
Dito tudo isso, passemos às perguntas e respostas de Lelé’s.
Tínhamos razão, os anos de estrada e terapia nos trouxeram uma perspectiva diferente para essa vivência e a verdade é que como boa “alma antiga / espírito idoso” viver os 10 dias em silêncio e sem acesso ao celular, como já imaginávamos, foi tranquilo. Trabalhar a tal da equanimidade (atitude imparcial ou neutra de julgamento) também não foi lá super desafiador, afinal uma vida nômade bem vivida te traz muita presença e entendimento de que tudo passa. E não só as coisas ruins como também as boas.
Não tínhamos acesso a músicas ou à escrita, mas descobrimos que a nossa cabeça é uma rádio ambulante e na verdade um bom lugar para se estar. Existia um belo repertório de artistas e músicas aqui dentro para nos acompanhar nesse processo assim como a realização de que o que mais “pensei” nesses 10 dias foram ideias.
Que cabecinha criativa temos. De eventos a negócios, criar foi a constante. E a realização prática de algo que já sabíamos em teoria: uma vida sem criar não é uma vida que vale a pena (na nossa perspectiva). Fomos feitos para isso. O que faço se não posso criar? Se não posso me expressar nem me experimentar? Qual o objetivo?
Não escrever foi até bom para não tentar nomear nada por um tempo e nesse processo nos demos conta de que nos sentíamos como um barco (escrevi sobre nesse post), afinal é tudo sobre ciclos. E isso nos leva diretamente à pergunta do tempo porque a verdade é que ele tem o tempo do tempo quando não há ansiedade nem relógio. Nem mais nem menos. Ciclos. O nascer de um novo dia era sempre anunciado pelos passarinhos no primeiro e mais sutil dos clareares. Assim como o entardecer.
A mediunidade já ganhou outro tipo de acesso, ainda mais integrado nas nossas células. Mas no 5º dia os erês (linha das crianças na umbanda) pagaram uma visita muito bem vinda antes que eu dormisse e me alegrei pois não costumo conversar com eles frequentemente, ao que Lua prontamente me disse que é porque eu “não brinco muito e me identifico com os mais velhos” mas que “a gente tá sempre aqui, tia, é só chamar.” Ela me lembrou com muito carinho e sabedoria de que as crianças na verdade já sabem todas as respostas que realmente importam e que quando a gente cresce é que começa a fazer perguntas sem sentido porque esquecemos da essência. (isso é o que sempre soubemos e só não lembrávamos)
Os caboclos também vieram com os conselhos firmes dizendo muito claramente que eu “aproveitasse a estrutura que me estava sendo apresentada e aprendesse com ela porque sem uma boa estrutura daqui pra frente eu não daria conta de tudo o que estava por vir”.
Isso me fez entender que (ao menos para mim) é hora de dedicar tempo ao meu corpo outra vez. Fortalecê-lo para que possa me sustentar nesse novo ciclo.
Passei os últimos 8 anos da minha vida me dedicando à minha saúde mental. Quis desenvolver uma mente forte pois entendo que é isso que nos leva com sanidade através dos trânsitos. Assim o fiz. Mas também é necessário um corpo saudável que te leve através dos anos. E assim faremos. Porque não existe fórmula mágica nem pílulas que resolvam pra você algo que já tem uma receita simples (apesar de nem sempre fácil fazer a manutenção nesse mundo): cuide da sua mente, cuide do seu corpo, cuide do seu espírito. São só 3 áreas. Se fosse uma empresa tenho certeza que você daria conta.
Desculpa não trazer nenhuma mensagem clichê nem entendimentos tais quais: “a gente precisa de tão pouco pra viver bem”. Não é que não sejam verdade, mas é que já os venho repetindo há anos para quem quiser ouvir. Inclusive aqui está: essa foi a minha maior dificuldade: a repetição. Ter que fazer tudo igual todo dia, a cada minuto. Respira, observa o corpo, não se identifique com o que sentir, apenas observe. Repete.
Repetir é algo difícil pra mim. Mas ao fazer, entendi que posso buscar formas criativas de repetir e assim juntar uma facilidade (criar) a uma dificuldade (repetição), transformando em algo mais fluido e que pode ajudar não só a mim, como a outros.
Ainda assim Lelé, eu escolhi tomar banho sempre no descanso das 17h e caso fosse lavar o cabelo, no horário de almoço. Escolhi passear ao sol apenas as 11:30 e e dormir sempre que anunciassem um descanso. Escolhi fazer a primeira meditação do dia sempre no quarto porque podia ver a janela e ouvir os passarinhos quando começassem a cantar. Me dei conta de que escolhi bastante coisa “repetida” porque isso também me ajuda. (Ora, se não é a vida apresentando as aparentes contradições). Fiz amizade com a minha vizinha de cama (a Clara) no último dia (que é o dia que voltamos a interagir com as pessoas) e descobri que ela se demitiu do trabalho pra ir explorar mais de si e do mundo (ora se não é a vida nos levando onde precisamos estar e isso muitas vezes não é sobre a gente apenas).
O que vem pela frente é estrutura. O que mudou é que agora estamos acompanhadas e isso envolve mais um ciclo de tomada de decisões que há tempos não precisávamos encarar. O que fica pra trás é o medo de fazê-las.
💡Alguns outros insights sobre a vida:
Sabe o que Jesus e Buda tinham em comum? Ambos caminhavam pelo mundo aprendendo e ensinando. Observavam e experimentavam diferentes realidades. (qualquer semelhança é mero bom aluno que entendeu a aula)
Jesus e Buda tinham por volta dos 30/35 anos quando espalhavam sabedoria universal e atemporal por aí e a gente achando que é preciso muito mais tempo. É preciso experiência e presença. Caminha (volte no primeiro insight)
Sou da seguinte opinião: vai lá, experimenta e tira sua própria conclusão! É o caminho mais rápido pra uma real compreensão de qualquer coisa na vida.
O apego existe porque o desentendimento dos ciclos existe.
A próxima vez que achar que as coisas tem que acontecer rápido lembra que Jesus e Buda estiveram por aqui há mais de 2 ou 3 mil anos e até hoje 99% das pessoas não entenderam nada e a mensagem segue sendo repetida.
Encare a vida com curiosidade, não com certezas ou ansiedade e verá um novo mundo.
Talvez o ponto da vida (e da meditação) seja não se incomodar em começar de novo.
🧘🏻♀️ Quer saber mais sobre Vipassana? Visite o site.
📔 O livro Sidarta - Hermann Hesse é uma leitura interessante para se conectar com a história do processo de iluminação de Buda. Você pode comprá-lo online, em livrarias ou no sebo mais próximo da sua casa.
🎞️ Não é muito da leitura mas também se interessa pela história de Buda? Assiste esse vídeo aqui.
🎵 As músicas que não paravam de soar na minha cabeça eram parte dessa minha playlist. Já aviso: deliciosa e nada a ver com um retiro de silêncio rs
Obrigada pela troca, pela paciência e por estarem aqui
Com amor
Lex
Participei de um retiro Vipassana em 2019 e é uma experiência difícil de descrever. Tentei por várias vezes escrever sobre, mas nunca encontrava o tom certo. Aprendamos com os artistas da palavra: deixo o relato da Elaine Brum, que tenho certeza que você irá gostar, Lex: https://web.archive.org/web/20170614161516/http://www.budavirtual.com.br/o-inimigo-sou-eu-o-relato-de-um-retiro-de-10-dias-de-meditacao/
Lendo só hoje, que foi quando o corpo calou pra estar realmente presente. E que presente! É sempre revelador te ler 🤍