#13 - Quantos outros existem?
o "outro" que imaginamos também é parte de uma referência nossa.
Quarta-feira é meu dia de terapia. Ajustando o fuso horário e lutando com a internet do interior do Senegal, isso significa que eu fico no escritório até umas 20h. Quando chego em casa, Gastón (o senhor da casa que vivemos aqui e já considero meu pai postiço) me pergunta: “Ahhh, só voltou agora? Trabalhou muito?”
“Na verdade hoje tenho psicóloga, e como lá no Brasil é outro horário, preciso ficar até mais tarde”. Ele me olha um pouco confuso e eu fico na dúvida se meu francês foi claro. “Precisei fazer uma ligação pro Brasil, só isso.” sintetizo a informação, sorrindo. “Ahhh entendi, muito bem. E a família está bem por lá?” “Está sim, obrigada”
Eles não sabem o que é uma psicóloga, cai minha ficha enquanto caminho até o quarto. Sinto meu mundo mudar com essa pequena nova informação. Quantos outros mundos existem pra além daquilo que a gente conhece?
Começo a buscar alguma referência na minha própria vida que me ajude a encarar essa nova situação, mas não encontro. Não é uma questão idiomática, é conceitual. Como você explica pra alguém um conceito do zero? Que desafio. Escolho me abster dessa tarefa e me ajustar ao momento presente. Aqui não existe psicóloga, entao às quartas eu tenho uma ligação com o Brasil.
Você já se imaginou conversando com alguém que não tem o mesmo repertório que você? Percebo que todas as vezes em que me vi numa situação assim, envolvia ou o trabalho ou uma criança. A sensação aqui foi diferente, é a vida mesmo, me senti como se de repente tivesse conhecido alguém de outro planeta. Me lembro que no idioma deles muitas palavras não existem porque muitos conceitos não existiam antes da chegada dos colonizadores franceses, como o nosso simples “copo”. É comum escutar numa rápida conversa em diolá algumas palavras perdidas em francês. Pode apostar que sao os termos inexistentes até antes dessa colisão de mundos.
Quantas vezes imaginamos o outro através daquilo que sabemos imaginar? Arriscaria a dizer que todas. Não conseguimos de fato nos colocar no lugar de “qualquer outro” porque muitas vezes nos falta repertório para tal.
É como o encontro de dois rios, que poucos metros antes do encontro fisico, sabem apenas o que a experiência individual de “ser rio” é para cada um deles.
O tão famigerado “outro” na verdade são muitos outros e se posso deixar um conselho viajante, diria para que a cada encontro a gente se limpe do que imaginamos até ali e esteja aberto a receber o novo outro que se apresenta.
Um abraço de uma “outra” que já se transformou muito desde que chegou aqui,
Lex